Saudações, caríssimo(a)s!
Cotidianamente,
tenho o hábito de, logo cedo, deixar a televisão ligada em algum noticiário
enquanto me preparo para mais uma jornada diária. Hoje (13/05), tive a oportunidade de
assistir uma matéria que tratava sobre a reprodução simulada do evento que
resultou na morte do torcedor Paulo Ricardo Gomes da Silva, o qual foi atingido
por um vaso sanitário, após o término de uma partida de futebol no Estádio do
Arruda (partida entre Santa Cruz e Paraná, realizada no dia 02 de maio).
A reportagem a qual me
refiro (vídeo) encontra-se disponível no sítio que segue:
Para minha surpresa, nos
segundos finais do vídeo, o gestor do DHPP (delegado Joselito Kehrle) dispara: “não
havia dúvida ou contradição nos depoimentos, mas a importância dessa técnica
investigativa é justamente essa: demonstrar para o corpo de jurados a forma com
que o crime fora praticado”.
Art. 7o Para verificar a possibilidade de haver a
infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder
à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a
ordem pública.
Se o delegado afirmou não haver
dúvidas, de acordo com o art. 7° do CPP, entendo que não há motivação para que
se proceda à Reprodução Simulada dos Fatos. Ao mais, considero que: a
utilização deste expediente, com o escopo de “demonstrar para o corpo de
jurados a forma com que o crime fora praticado”, pode configurar uma
desnaturação deste recurso investigativo.
Sob o meu ponto de vista,
a frase supracitada pode sugerir que a Reconstituição do Crime serviu,
tão-somente, como instrumento sumário de condenação dos acusados (pela mídia, pela sociedade e, principalmente: pelo corpo de jurados). Pude perceber
que pessoas se aglomeraram para cultuar o “evento”: gritavam, em todo momento,
palavras de ordem e procediam ao linchamento verbal dos acusados.
Ao mais, pergunto:
tecnicamente, qual é a justificativa para que os vasos sanitários fossem
arremessados à ocasião da realização da Reprodução Simulada?
Certamente, este foi o momento
de maior “frisson” dos populares que acompanhavam in loco o procedimento investigativo. Em termos midiáticos acredito
que este foi o momento principal. Alguns portais não se furtaram em divulgar
imagens simultâneas/comparativas entre o momento da consumação do fato
delituoso e do arremesso dos vasos, à ocasião da reconstituição dos fatos (um
dos acusados, inclusive, participou deste momento, assinando, de uma vez por
todas, sua sentença condenatória, em termos de reprovabilidade social).
Trago aos leitores um fato
interessante e legalmente amparado: um dos três acusados se recusou a
participar da Reprodução Simulada dos Fatos. Pode isso, Arnaldo?
Vamos conversar um pouco
sobre Direito Processual Penal?
No que concerne à temática
“Provas”, há de se consignar que devemos atentar para alguns princípios
norteadores: Princípio de presunção
de inocência; Princípio da
busca da verdade; Princípio do “nemo tenetur se detegere” (expressão utilizada,
inclusive, em prova do MPF).
Sobre
este último: ao ministrar a disciplina “Preservação e Valorização da Prova”
(Curso de Aperfeiçoamento em Segurança Pública – Centro de Educação da Polícia
Militar da Paraíba), me recordo, saudosamente, que alguns alunos, de forma bem humorada,
para fins de memorização, traduziram a expressão da seguinte forma: “Nenhum Tenente detém
a gente”.
Nemo tenetur se detegere:
Por
força deste princípio (insculpido na Constituição Federal, art. 5º, inc. LXIII
e na Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 8º, § 2°, alínea “g”), o
acusado não é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Ou seja: o acusado não precisa colaborar para a
sua própria destruição (por este motivo, é natural que o ser humano
resista a uma incriminação).
O
princípio em comento tem, ainda, alguns desdobramentos, a saber: 1 – Direito ao
Silêncio (sugestão de leitura: HC 80.949 e “Aviso de Miranda”); 2 – Inexigibilidade
de dizer a verdade (lembrando que, no Brasil, o crime de perjúrio não existe);
3 – Direito de não praticar nenhum comportamento ativo que possa incriminá-lo;
4 – Direito de não produzir nenhuma prova incriminadora invasiva.
Quanto ao direito de não
praticar nenhum comportamento ativo que possa incriminá-lo:
Com relação
a este desdobramento, cabe pontuar que: se o meio de prova não depender de
nenhum comportamento ativo, o acusado não estará protegido pelo “nemo tenetur
se detegere”. É o que ocorre na reconstituição do crime!
Para
finalizar, pontue-se que: a Reprodução Simulada dos Fatos constitui-se em prova
nominada (aquela que está prevista em lei, com ou sem procedimento probatório
definido), haja vista que o seu nome iuris
encontra-se aposto no art. 7° do CPP.
Trata-se,
ainda, de uma prova atípica, à medida que não possui um procedimento probatório
previsto em lei (a lei não diz como o delegado deverá realizar a Reprodução Simulada
dos Fatos.
Por
este motivo, por vezes, nos deparamos com reproduções simuladas esdrúxulas, com
procedimentos teratológicos!). Por não haver procedimento probatório, a
Reprodução Simulada dos Fatos deve primar pelo bom senso e experiência do
indivíduo que coordenará as atividades (não é de bom alvitre que se realize,
por exemplo, a reconstituição de um crime no período da manhã, quando este
crime, na realidade, ocorreu pela madrugada, haja vista que a reprodução deve
primar pela proximidade das circunstâncias do crime).
Encerro
o presente texto, reafirmando a importância da “Reprodução Simulada” enquanto
recurso investigativo (amparado, inclusive, pela figura do Perito Criminal e
seus auxiliares), o qual tem por objetivo “verificar a possibilidade de haver a
infração sido praticada de determinado modo” (grifo meu!), cf. predispõe de
forma cristalina o art. 7°, CPP.
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