quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Um real passado

     Beija-flor,

     Você que era andorinhão, de bico longo e viciado no néctar alheio, foi se apaixonar por um rabo-brando. Como pôde? Oito pares de costela, e uma plumagem iridescente (ao mesmo tempo indecente) são suficientes para desvirtuar o pequenino andarilho. Coisas do passado!
     Mas a vida nos ensina que a rosa mais querida é o amor da sua vida. E diria isso sem medo, não fosse teu orgulho justificável. Aliás, na vida tudo se justifica. Satisfação social é mais fácil que a consciência moral. Anda que a vida anda! Bate a poeira com as asas e permeia qualquer outro pensamento discrepante: conhece-te e revigora-te!
     Mas o néctar daquela flor fez algo explodir no infinito e você nem percebeu o tempo se arrastar aos teus pés. Tudo claro, em cor bem viva e, ao mesmo tempo, incolor. Enfim você não soube explicar! Um estouro de sensações! Por um instante, um único instante, as guerras se acabaram, os pais saíram com seus filhos para curtir um domingo de sol, as filhas chegaram cedo, a liberdade não precisou ser vigiada, Rapunzel cortou o cabelo e o silêncio não disse nada. Tudo por um instante! Carboidratos e energia trafegavam no teu corpo: N-É-C-T-A-R!!!
     E essa tua língua bifurcada não percebeu o momento que esqueceu que sabia parar no ar! Ela, toda bela, perfumada: toda só! A partir desse momento, você, passarinho, percebeu que a vida te dá, no máximo, seis gramas de amor. Por completo! E seu bico alongado é único, adaptado àquela flor que fez inveja ao Pequeno Príncipe: É ELA!!!
     Deixou às moscas: aranhas e formigas. Condenou a poligamia da religião. Amou e foi fiel. E 100% de ti já era pouco menos do que podias oferecer. O açúcar dos bebedouros (candidíases ambulantes), o néctar das outras flores e tudo mais, já não cabiam: TUDO ERA ELA!!!
     Mas veio a mão do homem, destruindo, degradando e fragmentando o seu espaço. E se as linhas de Nazca te fizeram menção, as linhas da vida te rejeitaram. E de cédula que foste, esqueceram-te pelas moedas que trafegam miseráveis pelas mãos dos ambulantes pecadores do meu Brasil. Voando sofrido para Trinidad e Tobago, por um cêntimo de sentimento perdido: já não mais invadia a porta das casas alheias para beijar e partir!
     E das armas, que ironia, foste logo o brasão. Mas em Minas, quem sabe um dia, reencontra tua paixão! Cuitelinho será hino de Betim e do coração. Mas no fundo, passarinho, não te cabe solidão. Acalenta este teu frio sem esquecer: o néctar, o beijo, a rosa, a vossa canção.
     Por enquanto, amnésia, arranque fora este coração. Deixe guardado em uma caixa para ela, implorando comunhão. Enquanto pandora persiste, esconde no teu íntimo o fogo avassalador e o tempo que parou. E leva contigo, ainda: a paz, a serenidade e a esperança de que um dia vosso momento novamente seja eterno.
     E aprendo nesta vida que passarinho é passarinho e flor é flor. Mas a metamorfose da vida é capaz de juntar duas coisas tão lindas e fazer renascer, ou não, o amor. Enfim serão um! Enfim, terão um (e vários mais)!

     BRUNO VIANNA LEAL

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